Matrix: Resurrections
- Lucas Barreto Teixeira
- 26 de dez. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 28 de dez. de 2021
É praticamente impossível falar de Matrix sem recorrer a certos lugares comuns. O filme, meio Caverna de Platão e meio Ghost in The Shell, revolucionou o cinema com suas cenas mais que icônicas e diálogos primorosos, marcando gerações de espectadores atônitos e angustiados com todas as questões levantadas pela brilhante direção das irmãs Wachowski. O que poderia ser feito, então, para enfatizar a carga da franquia? Seria possível acrescentar algo a algo tão sublime?

Antes de mergulharmos em como Resurrections executa suas ideias, é importante entender sobre o que ele se propõe. Afinal, a trilogia original já esgotara seu arco narrativo motor, começando pela libertação de Neo do sistema que o aprisiona pela rotina e pela exaustão cotidiana até sua morte ao lado de Trinity, sua amada e responsável por encerrar um cruel ciclo de guerra entre máquinas e humanos. O quarto filme, contudo, não nasce com pretensões de continuar o antigo, tratando-se de uma experiência muito particular e muito pouco comum ao estado em que o mercado cinematográfico se encontra. Já que Matrix fora disruptivo tantos anos atrás, Lana Wachowski retorna a seu papel de diretora para romper novos parâmetros, causando, certamente, certo desconforto aos que não esperavam por algo do gênero, mas podendo agradar a todos abertos a um novo tipo de experiência.
"Metalinguagem" é um daqueles termos intrínsecos a qualquer conversa sobre a franquia. E o roteiro se aproveita desse discurso para iniciar o longa com uma cena familiar, segura, até alcançarmos uma quebra de expectativa que serve como introdução ao verdadeiro objetivo do longa: a especulação sem compromisso com interesses comerciais, apenas um ensaio estético de uma criadora a respeito de sua obra e a forma como ela se desdobrou desde que fora lançada ao mundo. Sim, ao se utilizar da linguagem estabelecida nos filmes anteriores, o roteiro se desdobra em uma reflexão particular do protagonista, sem saber discernir o real da ficção, atualizando o aspecto cíclico causado pela repetição de tarefas socioeconômicas, pautadas por uma mentalidade de sacrifício artístico por um aumento de produtividade. No desenrolar do primeiro ato, reencontramos Neo em um estado de sonho, preso pelas ideias de comercialização de ideais e sentimentos, dopado pela própria realidade de seu cotidiano. E, nesse papel, convive diariamente com mentes pequenas que limitam seu escopo criativo a uma ferramenta de venda, priorizando uma projeção de público consumidor antes de se entender o que será vendido a eles. A lógica traiçoeira de produção não apenas aliena pela repetição, mas também o insere em uma cuba, em uma caixa projetada para podá-lo.

Matrix Resurrections é algo muito mais profundo que uma continuação, estendendo-se a um estado de autoanálise, delegando a novos personagens arquétipos antigos, em uma roupagem distinta o suficiente para diferenciá-lo dos demais. De forma muito particular, devo dizer que ao ver o filme tive a impressão que via respostas sendo direcionadas aos mais diferentes públicos, escritas com certa ferocidade pelas distorções causadas pelo tempo e vivenciadas pelo próprio Neo, aqui ocupando um espaço de criador da narrativa e alvo de inconveniências. Em uma sequência de planos curtos, vivenciamos o desgaste da própria diretora, que tão mergulhada em sua obra tem a impressão de que ninguém, verdadeiramente, observa o mesmo que ela. Tal conflito resulta no principal conflito da narrativa, já com Neo desperto, em busca de uma Trinity tão perdida quanto ele, enfatizando em toda a franquia o aspecto humano e afetivo, muito acima de todo o resto que podemos pensar ser o mais importante.
Matrix não é o que é meramente pela ação. Tampouco pelas suas reflexões filosóficas, ou pela estética cibernética. É o conjunto da obra que o faz tão especial, firme pela ideia da resistência pelo mais primordial dos sentimentos humanos. Falar de amor talvez seja brega, mas ele sempre esteve ali, servindo de combustível para a motivação dos humanos, fazendo-os sobreviverem e se arriscarem. E nessa nova Matrix, a comercialização deste potencial inato constrói o conformismo social, quando a massa cativa das máquinas anseia a alienação como forma de suprir sua necessidade de busca pela verdade.
De um modo geral, devo dizer que fiquei muito satisfeito com Resurrections. Entretanto, ele deve mais afugentar do que agradar, em uma análise mais imparcial. Por se tratar de um ensaio dentro do universo criado pelas Wachowski, sua lentidão e falta de adrenalina irá frustrar aqueles que buscam apenas o exagero caótico de tiros e explosões, encontrando aqui algo muito mais introspectivo e paciente. E mesmo com um antagonista interessante e novo, a volta de certas figuras buscam tanto a caricatura que acabam por se tornar maçantes. Além disso, frustra-me dizer que os novos personagens que representam Morpheus e o maquiavélico agente Smith não são capazes de entregar algo à altura do esperado, sendo mais rasos e até desnecessários em diversas situações. Ainda assim, é uma experiência cuidadosamente tecida por uma competente diretora que se importa verdadeiramente com sua obra e com os rumos que sua criação tomou. E, talvez, isso tenha sido o suficiente para me puxar de volta ao horizonte aberto com Matrix.
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