A impossibilidade do amor romântico como manifestação crítica
- Lucas Barreto Teixeira
- 8 de jul. de 2023
- 3 min de leitura

A literatura é, como toda arte, uma produção intrinsicamente política. Optar pelos tópicos da trama e decidir de quais formas os personagens irão se desenvolver é, mesmo inconscientemente, uma forma de expor uma compreensão pessoal. Nesse sentido, mesmo a forma como a relação romântica é contruída expõe certo pensamento do autor, e pode ser repreendida ou apoiada, expondo uma ideia moralizante.
Para entender de que formas podemos observar uma posição política sendo evidenciada por um relacionamento romântico, trago uma comparação entre Primo Basílio, de Eça de Queiroz, e Memórias na Minha Terra, de Almeida Garrett, e como os amores contidos em cada romance apresentam uma ideia muito própria em relação à Pátria, no caso Portugal. Como se sabe, ambos autores se contrastam, de forma direta, em estilo: Garrett foi um dos grandes nomes do romantismo português, enquanto que Eça, um dos estudantes envolvidos na "Questão Coimbra", foi um grande crítico do modelo romântico. Nesse sentido, basta olharmos para as obras para compreendermos suas visões de país.
Em Viagens, Garrett nos leva a um passeio pelo território português. O narrador acompanha um grupo de viagens, descrevendo o cenário belo, bucólico e proeminente peninsular, contando sobre as narrativas fundadoras do país. Em determinada cidade, contudo, o narrador escuta a história de uma mulher de terrível sina: Joaninha. Garrett passa a entrelaçar sua composição de cenário com a trama, que retrata a miséria de uma família em meio à guerra civil. Com o confronto, o interesse amoroso da protagonista, Carlos, parte para lutar ao lado de D. Pedro, retornando apenas anos depois, já noivo de outra mulher: Georgina. Ao rever Joaninha, os personagens despertam uma grande paixão, trocando um beijo. Surge, contudo, um odioso frei, que se revela como pai de Carlos, e passa a manipular o elenco de personagens, resultando na separação de Carlos com sua noiva. Vendo-se indigno de qualquer amor, resolve não se reencontrar com Joaninha, que padece pelo abandono. Aqui, o narrador guia o leitor em uma série de reflexões pedagógicas e filosóficas, retratando de forma intencional um personagem típico do clero como um elemento de conflito do amor romântico idealizado, que em última instância causa a morte de Joaninha; um retrato da morte da nação. Como se vê, o autor a todo instante compõe um amor à Pátria, mas não deixa de expor aqueles que buscam destruí-la.

Porém, se Garrett utiliza a impossibilidade do amor romântico como uma forma de crítica, Eça o faz para questionar a própria idealização do amor; consequentemente de pátria também. Em Primo Basílio, vemos Luísa, uma mulher burguesa e respeitável, ser seduzida por seu primo, Basílio, após seu marido, Jorge, ter embarcado à trabalho para longe. Eça aqui constrói um verdadeiro quadro social, primeiro ao representar o casamento enquanto contrato social e financeiro: uma forma de segurança patrimonial para mulheres na sociedade portuguesa do século XIX. Nesse contexto, o amor seria, de acordo, secundário. Basílio, contudo, representa a idealização de uma paixão, dando a impressão a Luiza de vivenciar um grande e arrematador romance. Isso até ser sumariamente rejeitada por seu primo, que a deixa após ter se saciado.
Em cima da problemática de gênero, o autor trabalha a relação de classe: Juliana, empregada de Luiza, ameaça a patroa de revelar seus segredos, e a faz passar a realizar as tarefas domésticas. A obra, que desde o princípio valoriza a perspectiva de Luiza, dá-nos a ideia de que a personagem sofre e é reduzida pelo trabalho. A "pena" despertada no leitor, contudo, revela apenas as condições degradantes que oprimem as classes baixas.
A conclusão da obra, com a morte de Luiza logo após a confissão ao marido, leva-nos uma vez mais para Basílio, que nem por um segundo se preocupa com sua amante. Assim, o autor utiliza a impossibilidade do amor romântico não para explicar os obstáculos de sua realização, e sim para indicar sua contradição: em uma pátria composta por uma burguesia vazia, que respira pela opressão de classe e gênero, o amor romântico se mostra apenas como ferramenta de dominação.

Em última análise, apesar de compreensões de país distintas, tanto Garrett quanto Eça mostram como a impossibilidade da idealização pode ser utilizada como ferramenta crítica na literatura. Curiosamente, embora não surpreendente, ambos os autores retratam como as mulheres são as maiores vítimas das promessas do romance exarcebardo, embora o segundo busque uma abordagem mais crítica inclusive ao modelo literário. Em suma, entre sentimentos patrióticos e contrários, nenhum texto é escrito sem intenção.
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