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Homens Sem Mulheres

  • Foto do escritor: Lucas Barreto Teixeira
    Lucas Barreto Teixeira
  • 26 de ago. de 2021
  • 2 min de leitura

Posso ser suspeito para falar algo do tipo, mas não há nenhum livro melhor, para mim, do que um bom livro de contos. E talvez não seja particularmente difícil encontrar bons contos espalhados em antologias, revistas ou coletâneas, porém um livro em que todos os contos são capazes de alcançar um nível de qualidade elevado, discutindo um tema em comum em todos eles, em um esforço de ampliar determinada tese pelo autor... isso é muito mais raro do que um bom romance, e muito mais gratificante. E em "Homens sem Mulheres", Haruki Murakami cumpre com êxito e brilhantismo o objetivo que se propõe a fazer.

A solidão é um tema recorrente na literatura. No cárcere, no amor, na sociedade... E aqui é a principal lente por onde Murakami analisa seus personagens, suas atitudes e frustações. O título da coletânea, desde já, remete à ideia de personagens masculinos que, por qualquer motivo, carecem de algum tipo de companhia feminina, e é essa a ideia geral que serve como estopim de suas narrativas, recheadas de reflexões e quebrando a expectativa de leitores a partir de inovadoras conclusões.

O primeiro conto, Drive My Car, já resume todos os outros que se seguem: as histórias são contadas a partir da intertextualidade (nesse caso, referindo-se à música homônima dos Beatles), com um protagonista masculino carregando uma cicatriz profunda, embora invisível em um primeiro momento, que precisa passar por uma delicada inspeção até se revelar por inteiro; nesse caso, a narrativa se trata de um ator em busca de um motorista, especificamente UM motorista, mas acaba por contratar uma mulher. A partir da rotina estabelecida entre ambos personagens, pouco a pouco são capazes de se abrir, revelando suas identidades, compartilhando segredos e, por fim, encontrando, na do outro, a própria solidão.

Tal fórmula é perceptível na maior parte dos contos subsequentes. Em Sherazade, Mil e Uma Noites se transformam no vazio de uma vida pacata, onde o único prazer de viver se encontra em um parasitismo ingênuo, em que viver é apenas possível pela vida de outro, pelas experiências além de si mesmo. Por outro lado, em Samsa, a Metamorfose de Kafka se dá pelo inverso, em que o vazio se transforma em homem, imperfeito e imundo, experimentando uma calamidade como uma existência completamente nova.

A intenção do autor, ao escrever tais narrativas, é clara: desenhar a solidão; definir esse "personagem-tipo" denominado por ele como "homem sem mulher". De acordo, no último conto da coletânea Murakami não poupa esforços para mergulhar em uma série de reflexões que podem ser tiradas de tais personagens, específicos em suas generalizações, vazios por algo prévio ao perder a amada.

"Homens sem mulheres", no fim, apresenta-se como um dos livros mais singulares que li nos últimos tempos. A prosa do autor é delicada, intimista e não busca chocar pelo mórbido, mas sim refletir pelo comum. Poucos são aqueles capazes de fazer o cotidiano interessante, e a força de Murakami encontra-se ao revelar a profundidade de pessoas ordinárias. Assim, a solidão não mais massacra, e sim acolhe os perdidos ainda em vida.

1 Comment


Beatriz Porto Barreto
Beatriz Porto Barreto
Aug 26, 2021

Fiquei com vontade de ler o livro!

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