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O Erotismo na Literatura

  • Foto do escritor: Lucas Barreto Teixeira
    Lucas Barreto Teixeira
  • 15 de jul. de 2021
  • 5 min de leitura

Não é uma tarefa simples traçar as origens do erotismo em representações artísticas. Ao mesmo tempo, é simples observar como ele foi utilizado pelos mais diversos motivos ao decorrer das décadas, tanto no setor de entretenimento quanto ferramenta crítica, no humor ou na atmosfera moral. Recentemente comecei a ler o "Rei de Havana", de Pedro Juan Gutiérrez, e a forma como o erotismo é utilizado pelo autor me despertou o interesse em escrever o presente texto, que é uma temática que muito me interessa e me faz refletir.

A literatura é um campo de infinitas possibilidades. O que mais me fascina em sua composição é o contraste que exerce com as demais formas da arte, como bem distingue Sartre, colocando-as enquanto formas imagéticas, enquanto a literatura se constitui de uma relação subjetiva entre autor e leitor. Dessa forma, a narrativa formada em obras literárias desperta algo mais profundo do que um quadro ou um filme, e isso vale também, ou em especial, para o erotismo.

Existem uma série de camadas socioculturais e interpessoais que autores dialogam ao inserir cenas ou enredos eróticos em suas obras literárias. Mesmo em exemplos gerais e banais isso pode ser observado, como nos livretos pornográficos inspirados em Maria Antonieta distribuídos durante a Revolução Francesa, revelando um sentido moral e misógino para atribuir críticas políticas a ataques diretos contra a figura autocrata. Tudo isso se observa em especial na literatura contemporânea, com cada vez mais obras designando símbolos naturalistas e profanos ao erótico enquanto forma de crítica social.

É muito claro a forma como Gutiérrez utiliza-se de tal artifício. Escrevendo um personagem abandonado à própria miséria, o erotismo podre, cego e virulento representa um estado animalesco imposto pela natureza do ambiente insalubre. A forma como o cenário é consumido pela fome do sexo o ilustra de forma amoral, sem juízos de valores, inclusive bem representado pelo afastamento do protagonista a ideias sacras ou até mesmo por não ter tido acesso à educação básica.

Entretanto, o autor não é o único a utilizar do artificio de tal forma a fim de representar a falência de uma sociedade. No Brasil, Rubem Fonseca chafurdou na lama em busca das descrições mais ignóbeis a cerca de relações sexuais, também sujo e fétido, como uma forma de definir a sociedade por meio do erotismo. Nos Estados Unidos, então, Bukowski até hoje é um dos principais nomes que utilizou-se de tal ferramenta, ainda retratando relações misóginas e ainda mais violentas, identificando a brutalidade por trás da exploração da mão de obra. Em todo caso, é muito comum a relação entre o erotismo e a capacidade animalesca da sociedade, criando assim a relação naturalista já presente em Aluísio Azevedo.

De certa forma, todas essas descrições remontam a forma como Georges Bataille descrevera o erotismo em seus escritos. O escritor, filósofo e antropólogo, em História do Olho, escreveu um conto repugnante, sujo e enjoativo ao redor do erotismo e morte, descrevendo pelo surrealismo processos psicológicos ao redor de tais temas, colocando todo sentido moralizante e social de lado para absorver o lado animal e profano das relações sexuais. Existe, aqui, uma escalada nas formas como o erotismo pode ser explorado, até o ápice da narrativa, quando uma transgressão ocorre e a ideia do gozo é revelada.

Novamente, todos os autores citados remontam, de alguma forma, as ideias já anunciadas pelo autor francês. Contudo, não é apenas dessa forma que o erotismo se apresenta na literatura contemporânea. Além da realidade profana, existe uma ideia romântica ao redor do erotismo, na literatura chamada "hot".

Novamente é interessante ressaltar o quão antiga é a ideia de utilizar o erotismo para entretenimento, e não apenas na literatura, visto o tamanho colossal da indústria pornográfica como um todo. Entretanto, as relações de trabalho e representação no setor podem fazer surgir diversos debates, com atrizes sendo abusadas por diretores e produtores e o público cativo idealizando uma ideia deturpada ao redor das relações sexuais (valorizando a violência gráfica e o exagero cinematográfico). Tenho por mim, entretanto, que na literatura erótica de entretenimento a discussão se dá de outra forma, complementando tão importante percepção cultural.

O aspecto ficcional e subjetivo da forma narrativa carrega sentidos distintos em comparação a outras representações imagéticas do erotismo. Seja em cenas violentas, doces, de ternura ou de amargura, as relações se apresentam enquanto absoluta verdade dentro do contexto da obra, fazendo autores assumirem mais liberdade em descrições e na composição de cenários para as cenas. Dessa forma, atrizes não são exploradas para servir a determinado fetiche, mas o fetiche pessoal em si é estimulado por ideias e sensações ilustradas nas páginas, dialogando mais com a ideia em si do sexo do que com ele mesmo. Claro, nada disso é muito distante da forma como os autores supracitados utilizam-se do erotismo, criando um embate entre o subjetivo e a realidade. Contudo, na literatura hot o subjetivo dialoga com uma sensação de realidade muito mais idílica, e a partir disso que a principal problemática do gênero se encontra.

Retratar cenários idealizados tende a romantizar situações diversas. Dentre os diversos romances de literatura hot, existem diversos cuidados tomados por autores para não romantizar situações de abusos, exercitando o imaginário erótico dentro de cenários, de fato, positivos. Me vem à mente a talentosa Tatiana Amaral, autora que sempre alerta aos perigos de se retratas situações absurdas como algo positivo, ciente dos perigos da falta de zelo. Com a recente explosão do gênero, entretanto, são muito mais numerosas as obras que não se preocupam com essa relação, narrando relacionamentos abusivos de forma idealizada ou criando cenários de verdadeira violência física e psicológica para encontrar o erotismo enterrado no horror (tomo por alguns dos exemplos livros já analisados no Caderno do Escritor: After, de Anna Todd, e Bridgerton, de Julia Quinn).

No entanto, não é possível falar de tal forma narrativa sem reconhecer o caráter emancipatório na formação em si de estilo. Afinal, culturalmente tais obras foram escritas, em maior parte, por autoras mulheres para um público feminino. Da mesma forma, o caráter misógino da literatura erótica dita profana atrai um número alarmante de homens que ignoram a mensagem por trás da narrativa para consumir dita misoginia. Toda essa relação resulta, naturalmente, em ataques misóginos contra autoras e leitoras do gênero, atrasando em décadas uma importante discussão.

De qualquer forma, o erotismo da literatura aparece enquanto interessante ferramenta narrativa e criativa. Mesmo sento utilizada na maior parte das vezes de forma recreativa, o "hot" também é capaz de resultar interessantes discussões literárias, seja pelo contraste ao profano ou enquanto uma forma de se expressar, um verdadeiro ideal a ser perseguido. Da mesma forma, a forma degradante de se retratar relações sexuais pode servir enquanto ferramenta social na mesma proporção que pode vir a servir grupos ignóbeis e de ódio. Não existe uma forma certa ou errada de se retratar o erotismo, mas, é claro, ambas carregam consigo grandes quantidades de responsabilidade social e sensibilidade artística.



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