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Criando um Gênero

  • Foto do escritor: Lucas Barreto Teixeira
    Lucas Barreto Teixeira
  • 4 de ago. de 2021
  • 5 min de leitura

Quando fico com poucas ideias sobre o que escrever, gosto de me voltar para o que está acontecendo e sobre o que pessoas discutem em redes sociais. Na maior parte das vezes, horas são gastas com os mais patéticos dos assuntos, todos se confrontando em debates rasos em busca da vitória do argumento, independente de encontrar uma resolução à questão colocada. E mesmo estando atrasado em uma dessas discussões mais recentes, encontrei inspiração em uma colocação precipitada que despertou o tema: o que inaugura um gênero?

Há alguns dias, uma matéria tomou conta da pauta das redes sociais: Teria Zelda - Breath of The Wild criado um gênero próprio? Claro, foi uma discussão das clássicas bolhas criadas pelas plataformas, mas dentro desse singelo universo de relações interpessoais a temática tomou proporções exageradas, com direito a ofensas, brigas e tudo o que estamos mais do que habituados a ver nessa altura do campeonato. De qualquer forma, o discurso tendeu a duas principais perspectivas: a primeira concordando com tal artigo, colocando a obra em um pedestal de originalidade e de referência ao futuro, e a outra discordando radicalmente de tal posicionamento, visto que BOTW pode até ter aprimorado o gênero de "mundo aberto", mas nem de longe é o primeiro desse estilo.

Agora que as discussões esfriaram, talvez seja um bom momento para refletir sobre o tema de forma um pouco mais contida. No entanto, em meio a reflexões pessoais, comecei a me perguntar exatamente quando um gênero é, de fato criado. Afinal, Breath of the Wild de fato aprimora muitos elementos de jogos passados em sua composição, mas ainda é um jogo de aventura em mundo aberto, assim como, por exemplo, Ocarina of Time, de Nintendo 64, ou até mesmo o original de Nintendinho. Mas é por esse prisma que um gênero deve ser contemplado? Tomemos como exemplo uma outra obra que marcou seu tempo: Dark Souls, que apesar de ser classificado de forma similar aos títulos citados é radicalmente diferente em sua estrutura... ambos pertencem ao mesmo gênero de jogos?

Retrocedamos ainda mais no tempo. Na França do século XIX, Flaubert inaugurou um estilo realista a partir de seu bovarismo... mas sua obra pode ser classificada da mesma forma como Medéia, uma tragédia dramática? No teatro grego, teoricamente os dois gêneros originais eram comédia e tragédia, que por muitas vezes se encontravam e se complementavam... poderiam os dois estilos serem considerados a mesma coisa?

Não é uma tarefa simples definir "gêneros", e dentro disso é ainda mais complicado distinguir "estilos", mas é importante, em um primeiro momento, elaborar um pensamento que nos auxilie a responder todas as questões colocadas até aqui. No que diz respeito a narrativa, seja literária, teatral e até cinematográfica, os gêneros são de fácil identificação e bem definidos: todos sabem definir um romance de um drama, ou uma comédia romântica de uma narrativa policial. Claro, tais gêneros podem ser misturados dependendo do autor, e é a partir da mistura que algo original geralmente é criado, mas os gêneros em si são muito bem definidos em narrativas tradicionais. E é curioso, realmente, observar como mesmo os gêneros mais recentes já haviam sido abordados, de alguma forma, no passado - basta observar como Fiódor Dostoiévski já tinha em seus livros vários elementos de livros policiais, ou como Breaking Bad cria tomando como referência outras obras, apenas aperfeiçoando o que já existia.

Com isso, pretendo apenas demonstrar que criar um gênero não é algo tão valioso quanto parece. Aperfeiçoar o que já existe é muito mais interessante, e pode render obras muito mais completas e complexas. E é dentro do esforço de se trabalhar gêneros já existentes e bem definidos que o estilo surge, enquanto forma de imprimir autoria na obra. Assim, uma tragédia como Édipo, o Rei, de Sófocles, pode ser contada e recontada quantas vezes quiser, até criar algo de fato novo, como os Maias, de Eça que Queirós, que mistura tal premissa com o bovarismo de Flaubert, em um estilo único e cativante. Mas é claro, isso não significa que novos gêneros não são criados, especialmente após o surrealismo e o dadaísmo no modernismo, fazendo surgir o teatro do absurdo com Antonin Artaud e o cinema desconfortável de David Lynch.

Agora, faço-me a pergunta crítica para voltar ao X da questão: essas regras valem para gênero de jogos? Afinal, é possível definir jogos a partir da estrutura narrativa e de seu estilo, mas também pela sua forma, seja em questão artística ou pela definição de jogo em si. Explico: Dragon Quest foi pioneiro em RPGs, e não há dúvida que seu gênero narrativo seja ação e drama, a partir do estilo fantástico. Ainda assim, ele inaugurou o gênero de jogo de combate em turno pautado por exploração, mesmo estilo de jogo de Shin Megami Tensei, que por sua vez é um horror com pitadas de suspense. No mesmo sentido, temos Metroid, um suspense de ficção científica que, dentro do gênero de jogos de plataforma criou um estilo tão singular e único que inaugurou uma geração de obras que carregam seu nome, os metroidvanias, incluindo Hollow Knight, que ao inovar dentro do estilo inspirou outras obras com seu nome, como Crowsworn, jogo que até o momento se encontra na fase de financiamento coletivo.

De qualquer forma, e por mais confuso que tudo isso possa parecer, não acredito que tenhamos ainda encontrado uma forma satisfatória de classificar jogos. Suas narrativas, sim, são todas tiradas de clássicos e na maior parte das vezes das estruturas mais conhecidas, lapidando-as conforme a necessidade específica de cada obra, mas se limitam ao convencional. Quanto ao gênero de jogo, basta dizer apenas que não é nenhum mérito ou demérito criar algo novo. Na verdade, assim como no aspecto narrativo, é o estilo do jogo que verdadeiramente encanta, e é nesse aspecto que é interessante avaliar um jogo. Claro, Zelda e Dark Souls podem ser do mesmo gênero, por que não? É o estilo que os distinguem e os tornam tão especial, e é tal estilo que deve ser estimado.

Não sei se é possível concluir algo após toda essa discussão, mas ao menos podemos chegar a uma resposta ao problema principal que motivou a ira das redes sociais. Não, Breath of the Wild não criou um novo gênero, mas ele não precisava criar. Seu estilo é tão fora da curva e tão cativante, aperfeiçoando tantos detalhes negligenciados por outros títulos, que ele não precisa ser pioneiro de um novíssimo gênero. E fico feliz que ele não tenha tido tal intenção, porque não há real verdadeira razão a se criar algo dessa forma. Tendo isso em mente, faço apenas um apelo: desenvolvam mais jogos do estilo de Pikmin. Chamem de gênero ou qualquer coisa, mas façam mais jogos de Pikmin: é muito desconcertante saber que apenas Hotel Transilvânia 3 pode ser considerado um jogo em tal estilo para além da franquia Pikmin...


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