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Precisamos reviver o gênero policial

  • Foto do escritor: Lucas Barreto Teixeira
    Lucas Barreto Teixeira
  • 25 de mai. de 2021
  • 5 min de leitura

Não há nenhum gênero que me agrade mais que o policial. Pelo mistério, a intriga é estabelecida, e a narrativa começa a se desenhar pelos personagens-tipos, pelo subtexto ácido, pelos cenários densos, causando sempre um impacto no leitor. E é por isso que não hesito em pular em qualquer recomendação, lançamento ou releitura, ansiando sempre pelo sentimento típico que apenas esse tipo de estória é capaz de causar. No entanto, seja pela saturação da narrativa, pela falta de inovação ou simplesmente por um estranho desânimo, a cada dia que passa está mais difícil de encontrar uma obra do gênero que de fato me agrade. Então, com isso em mente, gostaria de analisar algumas obras, clássicas e contemporâneas, para entender exatamente o que é necessário para reviver o gênero, caso ele precise, de fato, passar por qualquer tipo de processo.

A natureza do gênero policial, por si só, já rendeu inúmeros debates. É um estilo tão rico e com tantas obras criadas ao redor do mundo que em cada região parece haver algum elemento que distingue a fórmula, com diversos autores criando e recriando sobre parâmetros distintos. Há quem diga, por exemplo, que o gênero como conhecemos hoje foi estabelecido com "Os crimes da rua Morgue", de Edgar Allan Poe, apesar de vários elementos que constituem a narrativa serem encontradas no passado, como os romances de Dostoiévski, que flertam com crimes, noções de justiça e punições. Mas, afinal, como definir o gênero policial?

Em termos gerais, a narrativa policial é aquele que gira ao redor de um crime e de um agente moralizante, como um detetive, advogado, promotor, policial, jornalista ou até mesmo um personagem comum, buscando a verdade por conta própria. Dentro de tal conceito que a maior parte das obras se desdobra, criando situações pitorescas para identificar uma falha moral, ou um conjunto delas, enganando o leitor em um labirinto de meias verdades. Daí encontramos Hercule Poirot e Sherlock Holmes, personagens clássicos de Agatha Christie e Arthur Conan Doyle, que agem como agentes moralizantes em busca dos criminosos que ameaçam ferir o sistema de moral tão caro a eles.

Contudo, a mera comparação entre tais autores já pode revelar um traço ainda mais interessante do gênero. Quando lemos os livros de Arthur Conan Doyle, o mistério em si não carrega tantos valores. Há um claro embate entre a vilania dos antagonistas e a bravura de Holmes e Watson, seu companheiro e narrador das estórias, tanto que o sucesso do personagem, na época, foi alavancada pelo sentimento de insegurança presente na sociedade londrina pela falta de força da segurança pública, causando um aumento significativo no número de crimes. Agatha Christie, por outro lado, enche suas obras com temáticas mais profundas, com crimes ambíguos e antagonistas motivados por motivações de fácil identificação. Pessoalmente, hoje em dia considero que as obras de ambos tornaram-se levemente antiquadas, até por comentários sociais simplistas, mas foi a capacidade de enriquecer as motivações e criar conflitos internos nos agentes moralizantes que o gênero ganhou força.

Por décadas, as narrativas policias foram se proliferando, especialmente em folhetins, desenvolvendo-se em diversas esferas, com um rótulo de "baixa literatura" sempre vinculado a elas. No entanto, tais obras sempre obtiveram sucesso, exatamente pelo mistério que tanto atrai o público. Autores mais consagrados, como Faulkner, passaram a escrever suas próprias estórias desse estilo, rendendo mais discussões a respeito do rótulo e enriquecendo ainda mais a fórmula. Mesmo hoje, o rótulo antiquado parece ainda perseguir novas obras, já que o ritmo de consumo e produção desenfreada de tais estórias ainda é comum, e pode explicar um pouco do desgaste que o gênero sofreu.

A mais importante transformação na fórmula policial a se observar é no tratamento do agente moralizante. Antes, o foco total estava no mistério, e com o tempo o foco se dividiu entre suspense e sua relação psicológica com os personagens. A partir de então, as maiores obras do gênero surgiram, seja no cinema, como "Seven", na literatura, como o delegado Espinosa, aqui no Brasil, e a legista Scarpetta, nos Estados Unidos. O crime passou de mero quebra-cabeça a um fenômeno social, em sociedades falhas e desiguais, onde a justiça serve apenas aos poderosos e os pequenos são humilhados. O apelo social das novas narrativas criou uma geração incrível de novos autores (em Cuba, por exemplo, a literatura por anos se apoiou no estilo), mais do que provando o valor de tais narrativas.

No entanto, o desgaste ainda estava presente. A fórmula policial é tão fácil de ser replicada que inúmeros autores começaram a produzir filmes e livros genéricos, esvaziados de tema, e considero estar aí o grande problema do gênero. Um especial sentimento de desilusão me tomou especialmente quando Rubem Fonseca e Garcia-Roza faleceram, criando na minha percepção uma lacuna nas narrativas de qualidade. Afinal, quando observo a literatura contemporânea brasileira, não vejo muitos nomes em policiais, já que autores como Raphael Montes preferem conversar mais com o horror, e os poucos escritores que se aventuram com policial, de renome, limitam-se a um ou outro eventual livro. Nos cinemas e na televisão, por outro lado, as produções são frustrantes, mas ainda vou chegar lá.

O que me motivou a escrever o presente texto foi o lançamento inesperado, embora bem-vindo, de dois singelos jogos: "Famicon detective club, The Missing Heir", e "The Girl Who Stands Behind". Remakes das visual novels da década de 1980, narram dois casos a partir da perspectiva de um detetive júnior, levando o jogador-leitor a acreditar em eventos sobrenaturais, apenas para subverter as expectativas de uma forma sóbria e muito bem-vinda. Apesar de serem narrativas com mais apelo ao mistério do que aos temas sociais, a partir deles fiz um esforço para analisar como o gênero ainda sobrevive, o que me deixou bastante esperançoso.

Sempre existiu mediocridade em qualquer estilo, em qualquer mídia. Na atualidade, somos abarrotados com romances vazios dos Estados Unidos, produzidos por um verdadeiro maquinário humano, ao lado de inúmeras séries em streaming genéricas, ao lado de adaptações fracas, como o novo "Expresso do Amanhã", que transformam o mistério em ação. No entanto, não há apenas essa maioria medíocre, sendo sempre possível ver coisas novas e interessantes como "Sharp Objects" e "The Sinner", e de vez em quando uma tentativa decente, como "Knives Out", que com seus vários escorregões ainda é válido. Na literatura, então, o que há mais são livros policiais prontos a serem descobertos, mascarando-se em outros gêneros e estilos, como: "O Canto da Sereia", de Nelson Mota; "Bom dia, Verônica", de Raphael Montes e Iliana Casoy e "Porém, Bruxa", de Carol Chiovatto.

O texto está grande e mesmo assim ainda tenho muito a dizer. Porém, vou parar por aqui. Em suma, no meio da saturação, há muita coisa sendo feita, e de extrema qualidade. Nesse sentido, por que mesmo assim eu ainda digo que é necessário revivê-lo?

Enquanto escritor, eu tento resgatar a essência policial, encaixando os temas nas narrativas e construindo o mistério a partir da relação entre personagens e sociedade. Porém, não o faço dessa forma por pensar ter descoberto a "fórmula definitiva", ou por algum senso de excelência literária. No fim, escrevo porque amo esse tipo de literatura. Amo confeccionar mistérios assim como amo encontrá-los à esmo, de forma espontânea em narrativas que me surpreendem. E agora, eu anseio redescobrir esse meu fascínio, revivendo esses momentos. Por outro lado, não ser capaz de encontrar essas obras me frustra em níveis incomensuráveis, e é por isso que um esforço coletivo se faz necessário.

Reviver o gênero, para mim, é descobrir e redescobrir clássicos e contemporâneos que inovam, ampliam e criam a partir da fórmula clássica. Então, tendo isso em mente, gostaria de abrir o espaço abaixo, nos comentários, para suas sugestões. O que, para você, caro leitor, marcou sua trajetória literária com o estilo abordado? Você conhece algum autor independente com uma obra surpreendente? Algum e-book enterrado na montanha de "mais vendidos" da Amazon?

Estarei lendo com muito afinco as respostas, seja aqui ou pelas redes sociais, e a depender do resultado posso escrever e falar mais sobre algumas obras que me perseguem até hoje, ou que tenha lido por indicação de vocês, aqui. Em todo caso, espero que meus pequenos devaneios alcancem apaixonados pelo gênero, assim como eu, e reascendam o fascínio e a vontade de resolver mais um mistério.


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