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em defesa de other m

  • Foto do escritor: Lucas Barreto Teixeira
    Lucas Barreto Teixeira
  • 6 de jul. de 2021
  • 9 min de leitura

Se eu ganhasse um real por cada texto que escrevi esse ano em defesa de jogos de Wii por conta de novos lançamentos no Nintendo Switch, eu teria dois reais, o que não é muito, mas é curioso que tenha acontecido. Em todo caso, minha obsessão por Metroid ainda está longe de terminar, e enquanto todos nos preparamos para o tão aguardado Dread, resolvi me voltar ao passado, ao lançamento que iria deixar a franquia estacionada por quase sete anos. Other M representa, para alguns, a síntese do fracasso, e para outros, um projeto cujo potencial foi ofuscado por severas falhas. Talvez eu represente uma fração praticamente nula, mas ao meu ver a obra não é nem de longe o horror abstrato construído pela opinião pública com o tempo. Tendo isso em mente, elaborei uma pequena defesa a esse capítulo na história de Samus, carregando a esperança que minhas tímidas palavras possam, algum dia, alcançar alguém que concorde, ao menos em parte, com a minha visão.

Desde que transferi o Caderno do Escritor para este novo site, já escrevi um texto abordando a estética que tanto me fascina em Metroid e fiz um vídeo, na ocasião do anúncio de Dread, recapitulando a história da franquia até o momento. Desde então, a saga vem ganhando incrível força, com novas pessoas descobrindo e redescobrindo os jogos das mais variadas formas, e não sou capaz de sentir qualquer coisa além de regozijo e alegria. Metroid sempre foi muito caro a mim, e ver a série ressurgir com tantas novas visões aponta para um futuro promissor aos novos e antigos fãs. No entanto, a renovada energia ressuscita antigas discussões, e as críticas de um dos jogos mais distintos da franquia ecoam uma vez mais nas redes sociais. Pessoalmente, não havia jogado Other M até alguns meses atrás, quando encomendei uma cópia usada por um preço que, hoje, já deve estar nas alturas. De qualquer forma, alheio aos comentários gerais, fui do início ao fim da obra tomado pelo sentimento de vigor de quando jogamos qualquer jogo de Metroid pela primeira vez. O temor do ambiente, o encanto pela exploração, o frenesi do combate... foi apenas procurar um pouco na internet que descobri, com certa surpresa, o quanto Other M é odiado. Ainda assim, encontrei diversos elogios espalhados em fóruns e postagens, fazendo-me reunir forças para escrever algo sobre minha experiência com a obra. Contudo, foi apenas ao ver enquetes revelando o número ínfimo de pessoas que, de fato, experimentaram-na que por fim montei minha defesa. Portanto, vamos começar do princípio, a fim de tentar entender, por fim, se Other M é tão ruim quanto dizem.

O último metroid

A primeira cena de Other M é uma visão. Uma lembrança, uma releitura de um dos momentos mais icônicos na história da mídia. Samus, quase sem vida, é erguida no ar pelo último Metroid, aquele cuja vida fora poupada pela caçadora de recompensas em um ato de hesitação ao observar seus atos nefastos que levariam uma espécie inteira ao extermínio. Naquele instante, Samus renasce, salva pela criança solitária e abandonada, sendo atingida pelos ataques do super computador transformado em monstruosidade até seu derradeiro fim.

A mulher acorda em um laboratório espacial da Federação Intergaláctica logo após os eventos de Super Metroid. A abertura funciona muito bem enquanto ferramenta narrativa, inserindo o jogador na linha cronológica da obra, utilizando-se do antigo, deixando claro, logo ali, o quão diferente a experiência seria em contraste com os jogos anteriores. Abandonando a simplicidade bidimensional do cenário, Other M se propõe a criar uma ponte entre capítulos importantes da franquia, a fim de se renovar, tomando para si diálogos longos e monólogos introspectivos.

Após um breve tutorial, avançamos por um breve período no tempo, encontrando Samus vagando no espaço, ainda reflexiva sobre os recentes eventos, até interceptar uma chamada de socorro. Prontamente, desloca-se até a origem da chamada, uma estação de pesquisa da Federação Intergaláctica, destruída e rondada pelo vazio e abandono da morte.


Antigos Amigos

As jornadas de Samus sempre foram acompanhadas pelo desconfortante sentimento de solidão. Até Super Metroid, pode-se dizer que este era seu grande diferencial. No entanto, com Fusion, aliados foram inseridos na franquia, especialmente Adam, uma inteligência artificial criada a partir da mente do antigo mentor de Samus, na época em que serviu a Federação. Posteriormente, em Zero Mission, os Chozos que a criaram ganharam nomes e personalidades, tirando da protagonista o peso de carregar sozinha toda a complexidade da história da série. Ainda assim, Samus nunca estivera ao lado de outras pessoas durante suas missões até Other M. Aqui, tão logo alcançamos o laboratório, encontramos uma tropa da Federação, composta por antigos amigos ainda não introduzidos, como Anthony Higgs, liderados pelo famigerado Adam Malkovich.

Se há algo que a obra sabe fazer muito bem é inserir contraste para elaborar o que se pode esperar nela. Other M nunca tenta enganar quem está por trás do controle, mostrando que Samus está diferente em vários aspectos em relação aos outros títulos. Tudo começa pela forma como ela é controlada, navegando em um espaço tridimensional embora limitada pelos botões do Wii Remote, além dos trechos onde se deve apontar o controle para o sensor de movimento, fazendo-a assumir uma perspectiva em primeira pessoa, diferente o suficiente para colocá-la distante à trilogia Prime. A todo instante, o jogo grita sua identidade enquanto narrativa paralela, tomando espaço para distorcer elementos preciosos à franquia ao mesmo tempo em que se mantém fiel à visão de seu criador. Em todo caso, as críticas já começam por essa forma de se apresentar e executar uma nova visão.


As Hegemônicas críticas

Apesar de discordar, ao menos em partes, com a maior parte das críticas feitas ao jogo, vou buscar fazer justiça a todos os comentários, primeiro catalogando-os e, posteriormente, analisando-os. Porém, basicamente todos os comentários negativos em relação a Other M surgem de um ponto em comum: a história. Afinal, assim que Samus se encontra com a tropa de Adam, o comandante à contragosto afirma que apenas a deixaria auxiliá-los caso ela obedecesse suas ordens. Mesmo com sua personalidade forte e decidida, a caçadora acaba acatando seus comandos, intrigada pela situação caótica que a situação se encontra. Dessa forma, apesar de ter um arsenal completo consigo, Samus não o utiliza porque não tem autorização de Adam.

Claro, este é apenas um artifício narrativo para o jogador não ter acesso a todos os poderes logo no início do jogo, a fim de desbloquear tudo com o decorrer da história... mas a forma como isso é feita não agradou muito. A guerreira espacial, implacável, e independente, agora é forçada, por um homem, a limitar seu potencial bélico, sem ter acesso aos armamentos até se encontrar em uma situação fatal. Essa relação é apontada por muitos como um posicionamento misógino do autor da obra, Yoshio Sakamoto, que pessoalmente escreveu cada linha de diálogo e dirigiu todos os atores, inclusive fora do Japão, a fim de alcançar sua visão. Esse fator leva a uma nova onda de críticas, em relação à narrativa e à atuação mecânica de Samus, com sua performance limitada de emoções.

Não demora muito para o grupo se separar, explorando a estação em divisões elaboradas por Adam. Samus logo se encontra sozinha, de um jeito mais convencional, explorando os escombros das estruturas da Federação. Conforme a narrativa se prolonga, descobrimos que, naquele local, pesquisadores realizavam estudos genéticos, trazendo de volta à vida os piratas espaciais aniquilados por Samus em Super Metroid, incluindo seu líder, o temível nêmesis de Samus, Ridley, assassino de seus pais ainda quando criança. Além dele, a Federação foi capaz de procriar uma nova espécie de Metroids, mais resistentes e mais suscetíveis a processos de metamorfose.

Ao longo de toda essa jornada as críticas se multiplicam. Erros de continuidade são apontados, reações de personagens são vistas como desproporcionais, os diálogos são classificados como irritantes e arrastados... então, quando Samus alcança o Setor Zero, Adam a ataca por trás, deixando-a suscetível o suficiente para torná-la incapaz de impedir seu sacrifício, explodindo o setor junto consigo, exterminando as aberrações genéticas, porém morrendo no processo.


Modesta Defesa

Em meu vídeo sobre a linha do tempo de Metroid, afirmei que poderia passar horas falando sobre Other M. Tendo chegado a esse momento do texto, percebo que não estava exagerando. Contudo, preciso limitar-me a um limite de palavras reduzido se desejo manter ainda a atenção de quem ainda lê essa pequena tese. O primeiro ponto que gostaria de explorar é a relação de Samus com Adam, e se tais diretrizes de comando poderiam se configurar, de alguma forma, em alguma questão de violência de gênero. Acredito que comentários nesse sentido tenham vindo de duas formas: (a) a forma negativa como Sakamoto é retratado nas redes sociais e (b) o discurso de gênero muito presente ao longo da narrativa.

Yoshio Sakamoto é um dos maiores nomes da Nintendo. O produtor não apenas esteve por trás de Metroid como também trabalhou em Famicon: Detective Club e Wario Ware. Entretanto, seu nome está ligado a vários boatos infundados que empobreceram sua imagem, incluindo a história que, tendo inveja do sucesso da trilogia Prime, produzido por um estúdio americano, ele teria feito de tudo para sabotar tais jogos. Os rumores ignoram, é claro, seu ativo papel de aconselhamento dentro de tais obras, além de sua clara influência dentro de seus desenvolvimentos. Nesse sentido, todo o ódio destilado contra sua figura é completamente desproporcional, ignorando seu legado e jogando na lama uma pessoa cujo pecado foi não agradar a internet em sua totalidade.

Quanto à caracterização de Samus, o desagrado geral se encontra em diversos níveis. A questão do gênero, que sempre foi abordada de forma muito implícita, aqui adquire uma densidade mais interessante. Afinal, a caçadora de recompensas sempre foi pioneira nesse sentido em um mercado dominado por personagens masculinos, tendo inclusive, em seu primeiro jogo, publicidade referindo-se a ela enquanto "um" guerreiro espacial. Ainda assim, a personagem não teve uma caracterização profunda à época, até o lançamento do segundo jogo, quando Samus, brutalizada por suas ordens de extermínio, poupa a vida do último Metroid, reflexiva após uma longa marcha nos túneis suntuosos do planeta alienígena, encontrando sua humanidade por debaixo do metal de sua armadura. Essa dualidade entre máquina de combate e humana traumatizada pelos horrores do universo viria a se repetir diversas vezes, encontrando em Fusion certa ênfase, após Samus se deformar em um amalgama, encontrando sua humanidade apenas quando Adam, enquanto computador, refere-se a ela como "Lady".

Em Other M, Samus enfrenta novamente essa dualidade. Em seu traje espacial, é uma guerreira imbatível, fria e fatal. Ao mesmo tempo, sente-se vulnerável, após se ver diante de seu fim, e especialmente frágil, melancólica com sua juventude e aterrorizada ao ver um assassino implacável de volta à vida (a narrativa também estabelece uma relação entre o novo Ridley com o bebê Metroid, com Samus poupando-o em sua forma filhote para fazê-la se deparar com o horror criado, em uma dicotomia entre ressureição e morte). Seus monólogos, nesse sentido, trazem de volta a contemplação da personagem no fim do segundo jogo, fazendo-a agir reflexiva, ao contrário da sua forma imprudente e juvenil. Por este mesmo motivo ela escolhe acatar as ordens de Adam, a fim de poupar as estruturas da estação, mas tomando liberdade para desautorizá-lo conforme suas próprias necessidades. Todos elementos ajudam a construir a personalidade de Samus após tantos traumas, mascarando suas emoções na apatia, até se ver enfraquecida com o ataque sorrateiro do comandante, uma das únicas ocasiões que desperta emoções fortes em sua voz, desesperada e comovente. Claro, talvez Adam tenha se sacrificado à toa e Samus fosse capaz o suficiente de lidar com toda aquela situação sozinha... entretanto, ver-se emocionalmente frágil desperta mais forças dentro de si, porque ela é muito mais que uma mera ferramenta da Federação.

De modo geral, as críticas tendem a exagerar muito a relação entre a protagonista e Adam. As cenas podem ser longas e os diálogos podem ser pitorescos, mas a ambientação e o desenvolvimento geral da narrativa são bastante agradáveis, e fazem sim sentido em conjunto com as outras obras da franquia... bem, alguns furos existem sim, mas nem de longe são tão ruins quanto parecem. Além disso, alguns momentos do jogo estão ligeiramente fora do lugar, mas ainda assim tais questões podem ser relevadas.


Conclusão

Other M está longe de ser um jogo perfeito. Ainda assim, ele não merecia ser arremessado no lixo do jeito que foi. A obra tem como fim uma interessante reflexão da jornada de Samus em tantos anos de desventuras, além de uma ponte para o futuro da série. Sinceramente, gostaria de ver alguns de seus personagens e conceitos revisitados em Dread, embora entenda o quão improvável isso seja. Apenas a título de curiosidade, no entanto, é interessante notar quantos elementos da obra já foram levados para títulos seguintes, incluindo a cinematografia e a coreografia robustas ao redor da protagonista e uma série de melhorias gerais na qualidade de vida dentro do gênero de jogo.

Talvez você tenha chegado até aqui com certa mudança de pensamento. Talvez, suas convicções só tenham se fortalecido ao se lembrar de cada momento dentro da obra. Ou, talvez, toda essa discussão tenha despertado uma grande vontade de conhecer a obra. Quanto ao último caso, eu apenas posso dizer que sim, vale à pena passar por essa experiência. O incrível da série é que mesmo o pior dos títulos ainda carrega qualidade de sobra, e entender os altos e baixos de Metroid é uma ótima forma de se preparar para o dia oito de outubro. Alguma objeção?

 
 
 

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